Para que não pode comparecer, eis o handout:
Kandinsky
e Schoenberg: Artes em contato[1]
Marcus Mota
Universidade de Brasília
Laboratório de Dramaturgia
marcusmotaunb@gmail.com
1.1- Um famoso concerto
Concerto de 2 de Janeiro de 1911. Repertório: Segundo
Quarteto de Cordas(Op. 10), Três Peças para Piano (Op. 11), Cinco Canções ( para
voz e piano, que integram a Op. 6), Primeiro Quarteto de Cordas(op. 7)
Vídeos
0- Segundo quarteto de Cordas, com partitura. https://www.youtube.com/watch?v=eB5I5iU0OoE
1-
Três peças para piano, com partitura: https://www.youtube.com/watch?v=VeTFxbsVGrI
( Pollini); https://www.youtube.com/watch?v=zYaWND9n9h0 ( Di Wu) .
2-
Análise do primeiro movimento das Três peças para piano.
Link:https://www.youtube.com/watch?v=tDiyVJVeNXg.
3- Três Peças para piano, “Partitura
animada”. Links: Mov I: https://www.youtube.com/watch?v=5hesTVJo2_U . Mov. II https://www.youtube.com/watch?v=15kbpjmtJYs
. Mov. III https://www.youtube.com/watch?v=VD2glKLLA1g .
Para os manuscritos de Schoenberg,
v. Arnold Schönberg Center
http://www.schoenberg.at/index.php/en/archiv-2/musik
.
Para as partituras, v. IMSLP . Link: http://imslp.org/wiki/Category:Schoenberg,_Arnold
.
Bibliografia
ALMADA,
C “Pluralidade de abordagens analíticas da
primeira
das Três Peças para Piano
op. 11, de Arnold Schoenberg” Música em Perspectiva 4.1(2011): 15-45.
BERG, A. “Why is Schoenberg’s Music So
Difficult to Understand?” in: B.Simms
(Ed.) Pro Mundo-Pro Domo. The Writings of Alban Berg. Oxford University Press,
2014, 183-195.
1.2-
Carta de Kandinsky: a dissonância
“Nas suas obras, você
efetivou aquilo que eu, de certa forma, tenho desejado na música. O progresso
independente ao longo dos seus próprios destinos e a vida independente das
vozes individuais nas suas composições, é exatamente aquilo que tenho tentado
encontrar em minhas pinturas. Em nossos dias, há uma grande tendência na
pintura para descobrir ‘novas’ harmonias por meios construtivos, nos quais o ritmo
é construído de um modo quase geométrico. O meu instinto e empenho próprios apenas
apoiam essas tendências até certo ponto. Construção é o que lamentavelmente
tem faltado na pintura recente e é muito bom que agora esteja a aparecer. Mas
eu penso de modo diferente sobre esse tipo de construção.
Estou certo de que a harmonia
moderna atual não será encontrada em um modo ‘geométrico’, mas sim
anti-geométrico e ilógico. E esse modo é de ‘dissonâncias’
na arte, na pintura, tal como na música. E a dissonância de hoje, na pintura e
na música, será a consonância de amanhã.” (HAHL-KOCH 1980: 19)
1.3-
Carta de Schoenberg: a expressão do inconsciente
“Tenho certeza que concordamos. E realmente no que é mais
importante- no que você denomina ‘ilógico’ e eu chamo de “eliminação da vontade
consciente em arte”. (...) Arte pertence ao Inconsciente.
Toda pessoa deve expressar a si mesma.
Expressar a si mesma diretamente. Mas
não seus gostos, sua educação, seu inteligência, conhecimento ou capacidade. Nada
dessas características adquiridas. Mas sim o que é inato, instintivo.” (HAHL-KOCH 1980: 21).
HAHL-KOCH, J. Arnold Schoenberg/Wassily Kandinsky. Briefe,
Bilder und Dokumente einer außergewöhnlichen Begegnung.
Residenz Verlag, 1980. Há traduções em inglês e espanhol dessa edição.
1.4.
Trecho de Teoria da Harmonia
“E as expressões consonância e dissonância, usadas como
antíteses, são falsas. Tudo depende, tão-somente, da crescente capacidade do
ouvido analisador em familiarizar-se com os harmônicos mais distantes,
ampliando o conceito de “som eufônico, suscetível de fazer arte”,
possibilitando, assim, que todos esses fenômenos naturais tenham um lugar no
conjunto.
O que hoje é distante, amanhã pode ser próximo; é apenas uma
capacidade de aproximar-se. A evolução da música tem seguido este curso:
incluindo, no domínio de recursos artísticos, um número cada vez maior de
possibilidade de complexos já existentes na constituição do som. (...).
Definirei consonância como as relações mais próximas e simples com o som
fundamental, e dissonância como as relações mais afastadas e complexas”
Harmonia
(trad. M. Maluf. Editora Unesp, 1999:58-59.
1.5.
Carta Busoni /kandinsky ( 13/08/1909)
“ Eu luto por: libertação completa de todas as formas, de
todos os símbolos de coesão e lógica. Logo: fora com o “trabalho com motivos”.
Fora com a harmonia como cimento ou blocos de construção. Harmonia é expressão
e nada mais que isso. (...) Minha música deve ser breve. Concisa! em duas
notas: não construída, mas expressa! E os resultados que eu desejo: nenhuma
emoção perene estilizada e esterilizada. Isso não acontece com as pessoas. É
impossível que alguém tenha apenas um sentimento ao mesmo tempo. Cada um tem milhares
por vez. E esses mil não se ajuntam assim como peras e maças. Seguem seus
jeitos de ser. E essa variedade, essa
diversidade, essa ilogicidade que nossos sentidos apresentam, a ilogicidade presente em suas interações enviadas pelo
fluxo de sangue, ou por reação ao sentidos e nervos, é isso que eu gostaria de
ter em minha música. {...}
Textos traduzidos a partir dos link:
https://busoni-nachlass.org/edition/letters/E010001/D0100010#1
Ver também a segunda carta, da mesma data.
https://busoni-nachlass.org/edition/letters/E010001/D0100012#8
2-
Composição 4
Pintura a óleo, 62.8 × 98.6"
(159.5 × 250.5 cm)
Atualmente em Dusseldorf. Germany. Kunstsammlung
Nordrhein-Westfalen, Germany
Texto
de Kandinsky sobre Composição IV
" Definições suplementares
1. Massas (Pesos)
centro inferior – azul (dá à tela
um tom frio)
direita superior –dividido em azul,
vermelho e amarelo
esquerda superior – linhas negras do
emaranhado de cavalos
direita inferior – linhas oblíquas das figuras
reclinadas
2. Contrastes
entre as massas e as linhas
entre o preciso e o indefinido
entre as linhas e as cores
emaranhadas, e
contraste principal: entre o movimento
angular afiado (batalha) e as cores claras, frias e doces
3. Ultrapassagem
a cor para além dos contornos
Somente o contorno completo do
castelo está reduzido pela forma como o céu flui para o seu interior.
4. Dois centros
1. Linhas emaranhadas
2. Forma aguda modelada em azul
separados um do outro por duas
linhas verticais negras (lanças).
A composição completa destina-se a
produzir um efeito muito luminoso, com muitas cores doces, que com frequência
correm umas para as outras, enquanto que o amarelo também é frio. A
justaposição deste tom frio, brilhante e doce com o movimento angular (batalha)
é o contraste principal no quadro. Parece- me que este contraste está aqui mais
poderoso, em comparação com a Composição II, mas ao mesmo tempo mais forte (interiormente), mais claro, com a
vantagem de produzir um efeito mais preciso e a desvantagem de que esta
precisão tem demasiada claridade. São os seguintes os elementos básicos da
composição:
1.
Concordância de massas passivas.
2.
Movimento passivo principalmente para a direita e para cima.
3.
Movimento agudo para a esquerda e para cima.
4.
Movimentos contrários em ambas as direcções (o movimento para a
direita é contrariado por formas pequenas que se movimentam para a
esquerda).
5.
Concordância entre as massas e as linhas que se inclinam.
6.
Contraste entre formas contornadas e formas indefinidas (por exemplo:
a linha em si mesma mas também como contorno, que em si mesmo
tem, em adição,
o efeito de uma linha pura).
7.
A ultrapassagem da cor para além dos limites da forma.
8.
A predominância da cor sobre a forma.
9.
Resoluções. "
Traduzido a partir de LINDSAY, K.&VERGO,P.
(Eds.) Kandinsky. Complete Writings on Art. Boston: Da Capo Press, 1994,
p.
3- A SONORIDADE
AMARELA
Elaborada em 1909, publicada no Almanaque O Cavaleiro Azul
em 1912.
A
sonoridade amarela, de W. Kandinsky
Uma
composição Cênica[2]
Tradução Marcus Mota
Agentes
Cinco gigantes
Seres indefinidos
Tenor ( na coxia)
Uma criança
Um homem
Pessoas com vestes soltas
Pessoas usando collants
Coro (na coxia)
Abertura
Alguns acordes da orquestra.
(sob cortina)
Em cena, temos um crepúsculo
azul-escuro que de início tende ao esbranquiçado e que depois se torna um azul
escuro mais intenso. Em seguida, uma
pequena luz se manifesta no centro, fazendo-se cada vez mais brilhante enquanto
a cor azul obscurece. Depois um tempo, música vem da orquestra. Pausa.
Da coxia, ouve-se um coro que deve ser alocado
ali para que a fonte do som não seja identificada[3]. As
vozes mais graves vão se ouvir com mais destaque. O canto é regular, sem
afetividade, com interrupções indicadas por reticências[4].
VOZES GRAVES
“Sonhos de pedra .... e rochas falantes ...
Ressoam perguntas cheias de enigmas ...
O movimento do céu ... e a fusão ...
das pedras.
Ergue-se invisível ... um muro ...”
VOZES AGUDAS
“Lágrimas e risos ... Para maldições, orações...
A alegria da união e as batalhas mais
escuras. ”
TODOS
“Luz trevosa no ... mais ensolarado ...
dia.
(desaparecendo veloz e repentinamente)
Brilha sombra luminosa na noite mais
escura!! ”
Fade
out. Blecaute. Pausa mais longa. Em seguida, abertura da
orquestra.
Quadro
1
(À direita e esquerda do espectador)
A área de atuação deverá estender-se
até o fim do palco o máximo que der. Lá ao fundo, uma extensa colina verde.
Atrás da colina, uma cortina lisa, opaca, azul, de um tom bem escuro.
Em seguida começa a música,
inicialmente em frequências agudas. Após, passa imediatamente para as mais
graves. Ao mesmo tempo, o fundo de cena muda para azul escuro (em sincronia com
a música) e nele surgem bordas negras (como em um quadro). Da coxia ouve-se um
coro sem palavras, que canta sem emoções, seco, mecânico. Ao final do canto do
coro, uma pausa geral: nenhum movimento, nenhum som. Daí blecaute.
Após, a cena se ilumina. Da direita
para a esquerda, cinco gigantes (os maiores possíveis) de um amarelo muito vivo
são empurrados para o palco ( como se flutuassem sobre o piso).
Eles ficam imóveis ao fundo, um do lado
do outro –uns com os ombros erguidos, outros com os ombros caídos, todos com
estranhos e indefinidos rostos amarelos.
Viram o rosto uns para os outros bem
lentamente, fazendo movimentos simples com os braços.
A música se torna mais definida.
Então se ouve o canto sem palavras e em
baixa frequência em pianissimo (pp)
dos Gigantes e eles vão se aproximando bem lentamente do centro do palco[5].
Voam velozes da esquerda para a direita umas criaturas vermelhas indefinidas,
que assemelham um pouco a pássaros, e que têm cabeças grandes parecidas com as
de seres humanos. Este voo se reflete na música.
Os gigantes continuam cantando, com
frequências mais graves. Ao mesmo tempo, tornam-se cada vez menos visíveis[6]. A colina ao fundo cresce lentamente e vai se
tornando mais nítida. Ao fim, está branca. O céu, totalmente escuro.
Da coxia novamente se escuta o coro
opaco. Não se ouve mais os gigantes.
A boca-de-cena torna-se azul e aos
poucos menos brilhante.
A orquestra luta com o coro e o vence.
Uma névoa densa torna toda a cena
invisível.
BIBLIOGRAFIA
AUER,J. A Schoenberg Reader. Documents of a Life.
Yale University Press, 2003.
BOULEZ, P. “Schoenberg, Arnold” In: Apontamentos de Aprendiz. Editora Perspectiva, 1995: 310-218.
FESTINGER,L. A Theory of Cognitive Dissonance.
Stanford University Press, 1957.
GRIFFHITS, P. A música moderna. Zahar, 1998.
LEIBOWITZ, R. Schoenberg
and His School. Da Capo, 1975.
LEIBOWITZ, R. Schoenberg.
Editora Perspectiva, 1981.
ROSS, A. O resto é ruído. Escutando o Século XX.
Companhia das Letras, 2009.
Links:
1- The Language of the New Music - Documentary
about Wittgenstein and Schoenberg, 1985.
https://www.youtube.com/watch?v=DRI_ZSh6iF4 .
2- Ouvir o som: A música no Século XX. Paulo Zuben.
http://culturafm.cmais.com.br/ouvir-o-som-a-musica-no-seculo-xx
3- A sonoridade amarela
Links:
https://www.youtube.com/watch?v=mOMHT-8v_Vo
https://www.youtube.com/watch?v=_fPRGuQbXws
[1] Material
desenvolvido a partir da pesquisa em
curso “Dramaturgia e Multissensorialidade:Metodologia de elaboração de
audiocenas para ambientes online a partir da série Composições, de Kandinsky”, financiada pelo CNPq. Pesquisador associado: doutorando Alexandre
Rangel.
[2]
Thomas von Hartmann ficou
encarregado da parte musical.
[3]
NT. No original: “welcher so eingerichtet werden muss, dass
die Quelle des Gesanges nicht zu eknnen ist. ” Isto é: o coro “deve ser
disposto de um jeito que não seja possível discernir a origem do canto”.
[4]
NT. No original “ohne
Temperament”. No lugar de traduzir por
cognato, o que levaria a questão do temperamento musical, questão sobre
afinação e medição de intervalos musicais, dentro do contexto vemos que o termo
se refere tentativa de se reduzir respostas emocionais na canção por meio da
ênfase na equalização dos atos performativos. Assim, “sem temperamento” aqui
refere-se a uma performance sem disposições mais explicitas de emoções, algo
mais próximo de uma máquina.
[5]
NT. No original, “Rampe”.
Seria vago traduzir por “rampa”, pois no caso Kandinsky está se referindo ao
lugar de destaque da área de atuação, a ribalta, onde um fila de refletores no chão ilumina o
ator.
[6]
No original, “undeutlich”, “indistinto”, “vago”, “difuso”, “obscuro”,
”borrado”.
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