quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Aula Kandinsky/Schoenberg

Para que não pode comparecer, eis o handout:


Kandinsky e Schoenberg: Artes em contato[1]


Marcus Mota
Universidade de Brasília
Laboratório de Dramaturgia
marcusmotaunb@gmail.com



1.1- Um famoso concerto
Concerto de 2 de Janeiro de 1911. Repertório: Segundo Quarteto de Cordas(Op. 10), Três Peças para Piano (Op. 11), Cinco Canções ( para voz e piano, que integram a Op. 6), Primeiro Quarteto de Cordas(op. 7)

Vídeos
0- Segundo quarteto de Cordas, com partitura.  https://www.youtube.com/watch?v=eB5I5iU0OoE
1- Três peças para piano,  com partitura: https://www.youtube.com/watch?v=VeTFxbsVGrI ( Pollini); https://www.youtube.com/watch?v=zYaWND9n9h0 ( Di Wu) .
2- Análise do primeiro movimento das Três peças para piano. Link:https://www.youtube.com/watch?v=tDiyVJVeNXg.
3- Três Peças para piano, “Partitura animada”. Links: Mov I: https://www.youtube.com/watch?v=5hesTVJo2_U . Mov. II https://www.youtube.com/watch?v=15kbpjmtJYs .  Mov. III  https://www.youtube.com/watch?v=VD2glKLLA1g .

Para os manuscritos de Schoenberg, v.  Arnold Schönberg Center
http://www.schoenberg.at/index.php/en/archiv-2/musik .
Para as partituras, v. IMSLP  . Link: http://imslp.org/wiki/Category:Schoenberg,_Arnold .

Bibliografia
ALMADA, C “Pluralidade de abordagens analíticas da primeira
das Três Peças para Piano 
op. 11, de Arnold Schoenberg”  Música em Perspectiva 4.1(2011): 15-45.
BERG, A. “Why is Schoenberg’s Music So Difficult to Understand?” in:  B.Simms (Ed.) Pro Mundo-Pro Domo. The Writings of Alban Berg. Oxford University Press, 2014, 183-195.

1.2- Carta de Kandinsky: a dissonância
Nas suas obras, você efetivou aquilo que eu, de certa forma, tenho desejado na música. O progresso independente ao longo dos seus próprios destinos e a vida independente das vozes individuais nas suas composições, é exatamente aquilo que tenho tentado encontrar em minhas pinturas. Em nossos dias, há uma grande tendência na pintura para descobrir ‘novas’ harmonias por meios construtivos, nos quais o ritmo é construído de um modo quase geométrico. O meu instinto e empenho próprios apenas apoiam essas tendências até certo ponto. Construção é o que lamentavelmente tem faltado na pintura recente e é muito bom que agora esteja a aparecer. Mas eu penso de modo diferente sobre esse tipo de construção.
 Estou certo de que a harmonia moderna atual não será encontrada em um modo ‘geométrico’, mas sim anti-geométrico e ilógico. E esse modo é de   ‘dissonâncias’ na arte, na pintura, tal como na música. E a dissonância de hoje, na pintura e na música, será a consonância de amanhã.” (HAHL-KOCH 1980: 19)
1.3- Carta de Schoenberg: a expressão do inconsciente
“Tenho certeza que concordamos. E realmente no que é mais importante- no que você denomina ‘ilógico’ e eu chamo de “eliminação da vontade consciente em arte”. (...) Arte pertence ao Inconsciente. Toda pessoa deve expressar a si mesma. Expressar a si mesma diretamente. Mas não seus gostos, sua educação, seu inteligência, conhecimento ou capacidade. Nada dessas características adquiridas. Mas sim o que é inato, instintivo.” (HAHL-KOCH 1980: 21).

HAHL-KOCH, J. Arnold Schoenberg/Wassily Kandinsky. Briefe, Bilder und Dokumente einer außergewöhnlichen Begegnung. Residenz Verlag, 1980. Há traduções em inglês e espanhol dessa edição.
1.4. Trecho de Teoria da Harmonia
“E as expressões consonância e dissonância, usadas como antíteses, são falsas. Tudo depende, tão-somente, da crescente capacidade do ouvido analisador em familiarizar-se com os harmônicos mais distantes, ampliando o conceito de “som eufônico, suscetível de fazer arte”, possibilitando, assim, que todos esses fenômenos naturais tenham um lugar no conjunto.
O que hoje é distante, amanhã pode ser próximo; é apenas uma capacidade de aproximar-se. A evolução da música tem seguido este curso: incluindo, no domínio de recursos artísticos, um número cada vez maior de possibilidade de complexos já existentes na constituição do som. (...). Definirei consonância como as relações mais próximas e simples com o som fundamental, e dissonância como as relações mais afastadas e complexas”
Harmonia (trad. M. Maluf. Editora Unesp, 1999:58-59.

1.5. Carta Busoni /kandinsky ( 13/08/1909)
“ Eu luto por: libertação completa de todas as formas, de todos os símbolos de coesão e lógica. Logo: fora com o “trabalho com motivos”. Fora com a harmonia como cimento ou blocos de construção. Harmonia é expressão e nada mais que isso. (...) Minha música deve ser breve. Concisa! em duas notas: não construída, mas expressa! E os resultados que eu desejo: nenhuma emoção perene estilizada e esterilizada. Isso não acontece com as pessoas. É impossível que alguém tenha apenas um sentimento ao mesmo tempo. Cada um tem milhares por vez. E esses mil não se ajuntam assim como peras e maças. Seguem seus jeitos de ser.  E essa variedade, essa diversidade, essa ilogicidade que nossos sentidos apresentam, a ilogicidade  presente em suas interações enviadas pelo fluxo de sangue, ou por reação ao sentidos e nervos, é isso que eu gostaria de ter em minha música.  {...}


Textos traduzidos a partir dos link:
https://busoni-nachlass.org/edition/letters/E010001/D0100010#1
Ver também a segunda carta, da mesma data.
https://busoni-nachlass.org/edition/letters/E010001/D0100012#8

2- Composição 4
Pintura a óleo, 62.8 × 98.6" (159.5 × 250.5 cm)
Atualmente em Dusseldorf. Germany. Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen, Germany
Texto de Kandinsky sobre Composição IV

" Definições suplementares

1. Massas (Pesos)

centro inferior – azul (dá à tela um tom frio)

direita superior –dividido em azul, vermelho e amarelo
 esquerda superior – linhas negras do emaranhado de cavalos
 direita inferior – linhas oblíquas das figuras reclinadas
2. Contrastes
entre as massas e as linhas
entre o preciso e o indefinido
entre as linhas e as cores emaranhadas, e
contraste principal: entre o movimento angular afiado (batalha) e as cores claras, frias e doces
3. Ultrapassagem
a cor para além dos contornos

Somente o contorno completo do castelo está reduzido pela forma como o céu flui para o seu interior.
4. Dois centros
1. Linhas emaranhadas

2. Forma aguda modelada em azul
separados um do outro por duas linhas verticais negras (lanças).
A composição completa destina-se a produzir um efeito muito luminoso, com muitas cores doces, que com frequência correm umas para as outras, enquanto que o amarelo também é frio. A justaposição deste tom frio, brilhante e doce com o movimento angular (batalha) é o contraste principal no quadro. Parece- me que este contraste está aqui mais poderoso, em comparação com a Composição II, mas ao mesmo tempo mais forte (interiormente), mais claro, com a vantagem de produzir um efeito mais preciso e a desvantagem de que esta precisão tem demasiada claridade. São os seguintes os elementos básicos da composição:
1.              Concordância de massas passivas.
2.              Movimento passivo principalmente para a direita e para cima.
3.              Movimento agudo para a esquerda e para cima.
4.              Movimentos contrários em ambas as direcções (o movimento para a 
direita é contrariado por formas pequenas que se movimentam para a 
esquerda).
5.              Concordância entre as massas e as linhas que se inclinam.
6.              Contraste entre formas contornadas e formas indefinidas (por exemplo: 
a linha em si mesma mas também como contorno, que em si mesmo 
tem, em adição, o efeito de uma linha pura).
7.              A ultrapassagem da cor para além dos limites da forma.
8.              A predominância da cor sobre a forma.
9.              Resoluções. "

Traduzido a partir de LINDSAY, K.&VERGO,P. (Eds.)  Kandinsky. Complete Writings on Art. Boston: Da Capo Press, 1994, p.

3- A SONORIDADE AMARELA
Elaborada em 1909, publicada no Almanaque O Cavaleiro Azul em 1912.

A sonoridade amarela, de W. Kandinsky
Uma composição Cênica[2]

Tradução Marcus Mota

Agentes
Cinco gigantes
Seres indefinidos
Tenor ( na coxia)
Uma criança
Um homem
Pessoas com vestes soltas
Pessoas usando collants
Coro (na coxia)

Abertura
Alguns acordes da orquestra.
(sob cortina)
Em cena, temos um crepúsculo azul-escuro que de início tende ao esbranquiçado e que depois se torna um azul escuro mais intenso.  Em seguida, uma pequena luz se manifesta no centro, fazendo-se cada vez mais brilhante enquanto a cor azul obscurece. Depois um tempo, música vem da orquestra. Pausa.
Da coxia, ouve-se um coro que deve ser alocado ali para que a fonte do som não seja identificada[3]. As vozes mais graves vão se ouvir com mais destaque. O canto é regular, sem afetividade, com interrupções indicadas por reticências[4].

 VOZES GRAVES
 “Sonhos de pedra ....   e rochas falantes ...
Ressoam perguntas cheias de enigmas ...
O movimento do céu ... e a fusão ... das pedras.
Ergue-se invisível ... um muro ...”

VOZES AGUDAS
“Lágrimas e risos ...  Para maldições, orações...
A alegria da união e as batalhas mais escuras. ”
TODOS
“Luz trevosa no ... mais ensolarado ... dia.
(desaparecendo veloz e repentinamente)
Brilha sombra luminosa na noite mais escura!! ”
Fade out. Blecaute. Pausa mais longa. Em seguida, abertura da orquestra.

Quadro 1
(À direita e esquerda do espectador)
A área de atuação deverá estender-se até o fim do palco o máximo que der. Lá ao fundo, uma extensa colina verde. Atrás da colina, uma cortina lisa, opaca, azul, de um tom bem escuro.
Em seguida começa a música, inicialmente em frequências agudas. Após, passa imediatamente para as mais graves. Ao mesmo tempo, o fundo de cena muda para azul escuro (em sincronia com a música) e nele surgem bordas negras (como em um quadro). Da coxia ouve-se um coro sem palavras, que canta sem emoções, seco, mecânico. Ao final do canto do coro, uma pausa geral: nenhum movimento, nenhum som. Daí blecaute.
Após, a cena se ilumina. Da direita para a esquerda, cinco gigantes (os maiores possíveis) de um amarelo muito vivo são empurrados para o palco ( como se flutuassem sobre o piso).
Eles ficam imóveis ao fundo, um do lado do outro –uns com os ombros erguidos, outros com os ombros caídos, todos com estranhos e indefinidos rostos amarelos.
Viram o rosto uns para os outros bem lentamente, fazendo movimentos simples com os braços.
A música se torna mais definida.
Então se ouve o canto sem palavras e em baixa frequência em pianissimo (pp) dos Gigantes e eles vão se aproximando bem lentamente do centro do palco[5]. Voam velozes da esquerda para a direita umas criaturas vermelhas indefinidas, que assemelham um pouco a pássaros, e que têm cabeças grandes parecidas com as de seres humanos. Este voo se reflete na música.
Os gigantes continuam cantando, com frequências mais graves. Ao mesmo tempo, tornam-se cada vez menos visíveis[6].  A colina ao fundo cresce lentamente e vai se tornando mais nítida. Ao fim, está branca. O céu, totalmente escuro. 
Da coxia novamente se escuta o coro opaco. Não se ouve mais os gigantes.
A boca-de-cena torna-se azul e aos poucos menos brilhante.
A orquestra luta com o coro e o vence.
Uma névoa densa torna toda a cena invisível.

BIBLIOGRAFIA

AUER,J.  A Schoenberg Reader. Documents of a Life. Yale University Press, 2003.
BOULEZ, P. “Schoenberg, Arnold” In: Apontamentos de Aprendiz. Editora Perspectiva, 1995: 310-218.
FESTINGER,L. A Theory of Cognitive Dissonance. Stanford University Press, 1957.
GRIFFHITS, P. A música moderna. Zahar, 1998. 
LEIBOWITZ, R. Schoenberg and His School.  Da Capo, 1975.
LEIBOWITZ, R. Schoenberg. Editora Perspectiva, 1981.
ROSS, A. O resto é ruído. Escutando o Século XX. Companhia das Letras, 2009.
Links:
 1- The Language of the New Music - Documentary about Wittgenstein and Schoenberg, 1985.  https://www.youtube.com/watch?v=DRI_ZSh6iF4 .

2- Ouvir o som: A música no Século XX. Paulo Zuben.
http://culturafm.cmais.com.br/ouvir-o-som-a-musica-no-seculo-xx

3- A sonoridade amarela
Links:
https://www.youtube.com/watch?v=mOMHT-8v_Vo
https://www.youtube.com/watch?v=_fPRGuQbXws



[1] Material desenvolvido a partir da pesquisa  em curso “Dramaturgia e Multissensorialidade:Metodologia de elaboração de audiocenas para ambientes online a partir da série  Composições, de Kandinsky”,  financiada pelo CNPq.  Pesquisador associado: doutorando Alexandre Rangel. 

[2] Thomas von Hartmann ficou encarregado da parte musical.
[3] NT. No original:  “welcher so eingerichtet werden muss, dass die Quelle des Gesanges nicht zu eknnen ist. ” Isto é: o coro “deve ser disposto de um jeito que não seja possível discernir a origem do canto”.
[4] NT. No original “ohne Temperament”.  No lugar de traduzir por cognato, o que levaria a questão do temperamento musical, questão sobre afinação e medição de intervalos musicais, dentro do contexto vemos que o termo se refere tentativa de se reduzir respostas emocionais na canção por meio da ênfase na equalização dos atos performativos. Assim, “sem temperamento” aqui refere-se a uma performance sem disposições mais explicitas de emoções, algo mais próximo de uma máquina.
[5] NT. No original, “Rampe”. Seria vago traduzir por “rampa”, pois no caso Kandinsky está se referindo ao lugar de destaque da área de atuação, a ribalta,  onde um fila de refletores no chão ilumina o ator.
[6] No original, “undeutlich”, “indistinto”, “vago”, “difuso”, “obscuro”, ”borrado”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Auto avaliação - Felipe Laya

1 - O que aprendi neste semestre? Aprendi várias coisas neste semetre, como, novas técnicas de pesquisa, como fazer um trabalho acadêmico, ...